quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Crises na Adolescência

Por Nilva Marcandali

A desesperança que o mundo de hoje passa aos jovens, com toda a violência urbana, falta de oportunidades e expectativas, em contraste com a idéia de que é necessário ser útil, possuir força e intelecto para produzir e desempenhar seu papel na estrutura social - para não ser desconsiderado por ela; cria indivíduos descrentes de seu potencial, com sentimentos de impotência e frustração.

Um importante aspecto considerado por Bauman (2001; apud Savietto, 2007, p.442), é a exigência pós-moderna capitalista, de que os indivíduos anulem o tempo passado e futuro, mantendo-se no tempo presente, que convêm ao consumismo. Este seria o tempo instantâneo, do imediato, vindo por em xeque a ilusão subjetiva de continuidade.

“Julgamos ser possível notar que as características próprias ao meio cultural da atualidade exacerbam a vivência de desamparo. Esta experiência, revivida na adolescência como parte do próprio processo de `adolescer´, parece cristalizar-se no atual contexto macro-social. Desta forma, assistimos a adolescentes aprisionados numa situação dolorosa” (Savietto, 2007, p.443).

A frustração é uma questão de ponto de vista e neste sentido, os fatores situacionais, ou seja, os grupos em que o adolescente está inserido podem reforçar a frustração ou minimizá-la. A agressividade também pode ser uma reação a frustração, e igualmente, poderá ser modelada pelo grupo. Um grupo que seja acolhedor e compreensivo, tolerando defeitos e deslizes, pode abrandar o sentimento de frustração do adolescente e evitar comportamentos agressivos.

Silva (2007, p.559-560), em seu artigo: Porque se debruçar sobre a temática da adolescência? – esboça os desafios da clínica psicanalítica, ao lidar com quadros patológicos no adolescente gerados por uma crise na sociedade contemporânea. Define-a:

“Tempo crucial de impasse na subjetividade entre o passado e o futuro, a adolescência implica não somente modificações físicas, mas, sobretudo, um trabalho psíquico a operar”.

Erikson (1976; apud Paula & Mendonça, 2009, p.131-134), também enfatiza a importância de lidar com as crises do adolescente. Considerando as fases de Freud (1856–1939) sobre o desenvolvimento da sexualidade, elaborou fases voltadas ao relacionamento do indivíduo com seu meio-social e cultural, expandindo tais fases para todas as idades da vida, focando as crises que ocorrem em cada uma delas.

Tais crises são entre o indivíduo e o meio, com as exigências características de cada idade, ou seja, uma readaptação de seu mundo interno pelas novas expectativas e problemas correspondentes, sendo que, atravessar e superar cada crise promove o desenvolvimento da identidade do sujeito, "reelaborando sua personalidade".

Não só o sujeito muda, mas ele acaba por promover mudanças em sua volta devido suas novas atitudes. Uma adaptação recíproca, e, a cada superação o sujeito adquire um sentimento positivo em relação a si mesmo.

A adolescência para Erikson (idem, p.138) é a fase mais importante e “com as maiores crises de identidade para o desenvolvimento do indivíduo”, pois, nela haverá a integração de tudo o que se viveu anteriormente e a percepção de si mesmo, que remeterá o sujeito as próximas etapas da vida.

É na adolescência que as escolhas partidárias, os posicionamentos, tornam-se vitais para criar sua auto-imagem e sua identidade. Escolher uma grupo, uma posição política, um engajamento social, uma profissão e uma religião, darão ao adolescente aspectos de si mesmo que, agrupados, formarão seu novo Eu.

Paula & Mendonça (2009, p.140), afirmam que a construção da identidade “depende de uma constante reorganização (de si mesmo e de si em relação ao meio) durante o processo de desenvolvimento”.

Há também a questão do reconhecimento: opor-se ao outro e ainda assim ser reconhecido e “fazer valer sua identidade na participação efetiva na vida comunitária” (idem).

Esta visão Psicanalítica de Erikson sobre as crises do adolescente é semelhante a visão da Psicologia Analítica de Jung.

Kast (1997, p.15-16), explicando Jung (1875-1961), relaciona a importância do engajamento a grupos com a necessidade do adolescente de desligar-se dos pais.

“O desligamento é um compromisso entre aquilo que a vida própria de uma pessoa deseja e o que deseja o meio ambiente, em última análise, o pai, a mãe, os professores, a camada social em que vivemos” (Kast, 1997, p.14).

Para ter coragem de abrir mão da segurança emocional oferecida pelos pais e seguir adiante em seu desenvolvimento maturacional, o adolescente precisa sentir-se amparado de maneira similar, amparo este que tais grupos positivos poderão lhe oferecer. Infelizmente, é também neste momento que o jovem pode buscar apoio em companhias destrutivas, que lhe oferecerão também uma sentimento de força, porém, um caminho de autopunição e autodestruição.

Para que o adolescente continue evoluindo na construção de sua identidade própria, que muitas vezes não tem relação com a identidade familiar, e continue também a construir sua auto-imagem, precisa desmistificar a imagem idealizada que criou de seus pais, pois, segundo Kast (idem, p.14), esta idealização desvaloriza a sua auto-imagem, onde prevalece a sensação de buscar sempre algo inatingível e o sentimento de ser alguém que nunca é bom o bastante.

Todo este processo pode ser muito doloroso. Nesta fase, sujeitos que até então eram crianças meigas, alegres e obedientes, tornam-se adolescentes agressivos, marrentos e rebeldes.

Para Jung (apud Kast, idem, p.14), os conflitos e desentendimentos são conseqüências deste processo, até necessários em certa dose, porém, acontecem de maneira inconsciente na luta interna em buscar um espaço e lugar para si na família e nasociedade. Blos (1987, PP.39-45; apud Kast, ibid, p.17) salienta que até o amor pode ser o causador dos conflitos, pois, quanto mais o filho ama, quanto mais unida e afetuosa a família, mais difícil desligar-se, assim, no instinto de sobrevivência a agressividade é saída ambivalente. Portanto, para minimizar os conflitos é importante que os pais incentivem o desligamento de maneira mais suave e natural possível.

Os desligamentos devem ser progressivos e/ou em etapas, pois, alguns que são feitos podem inibir os próximos. Para Jung (apud Kast, idem) o desligamento deve ocorrer gradualmente, desde alguns aspectos de independência na infância até o amadurecimento na adolescência, oferecerendo momentos de autonomia, abrindo possibilidades de escolha e cobrando responsabilidades.

Normalmente os pais não conseguem desligar-se dos filhos na idade adequada e proporcionar a eles autonomia e segurança o suficiente para que realizem suas próprias escolhas. Mais complicado fica, conforme Savietto (2007), quando os pais deparam-se com seus próprios conflitos adolescentes que não foram superados. Nesta situação, não conseguem estimular a independência do filho, pois, temem que lhes aconteçam os mesmos danos e traumas que viveram.

Os desligamentos objetivam um “eu suficientemente forte” (Kast,1997, p.10), que permita ao indivíduo “perceber as exigências da vida, lidar com dificuldades e conseguir um certo grau de prazer e satisfação” (Idem), para que os jovens possam se tornar “pessoas mais independentes e capazes de estabelecer vínculos” (Ibid, p.11).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 KAST, Verena. Pais e filhas – Mães e filhos: caminhos para a auto-identidade a partir dos complexos materno e paterno. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
 PAULA, Ercília M.T. de & MENDONÇA, Fernando Wolff. Psicologia e Educação. Livro Virtual do Curso de Letras da Universidade Cidade de São Paulo. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.
 SILVA, Rosane de Abreu. Porque se debruçar sobre a temática da adolescência? in Revista Latino Americana de Psicopatologia fundamental. Órgão oficial da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, vol.X, n.3, Setembro/2007. p.395-576.
 SAVIETTO, Bianca Bergamo de Andrade. Passagem ao ato e adolescência contemporânea: pais “desmapeados”, filhos “desamparados” in Revista Latino americana de Psicopatologia fundamental. Órgão oficial da Assoc. Univ. de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Vol.X. n.3. Setembro/2007. p.395-576;