domingo, 2 de janeiro de 2011

Por que é tão difícil fazer uma escolha?

Por Nilva Marcandali


Em psicoterapia, na problemática das escolhas, trabalha-se uma gama de questões e conflitos que cercam a ação da tomada de decisões. Entre elas:

•Escolher implica mudanças, que gera desequilíbrio interno e ansiedade.
•Escolher algo implica renunciar outro, o que gera culpa e angústia.
•Escolher é optar por assumir riscos e arcar com responsabilidades.
•Escolher envolve estar consciente da realidade para ser o mais acertivo possível.
•Escolher é aceitar a limitação de ser humano concreto que precisa encaixar-se socialmente.

“(...) e no entanto precisamos fazer isto, a cada instante de nossa existência.” (Forghieri, 2004:48)


Para tentar explicar este labirinto que envolve a escolha, tomo a Psicologia Fenomenológica de Yolanda Cintrão Forghieri (2004), pois, ao meu ver, sintetiza uma série de interrogações.
A Abordagem Psicológica Fenomenológica Existencial é o resultado da junção dos saberes da Filosofia Existencial e Psicologia, com olhar Fenomenológico, aquele que busca o entendimento do fenômeno descrevendo os fatos que o cercam.
Para a Filosofia Existencial uma pessoa só “existe” na relação com algo, de maneira concreta e consciente, entretanto, Husserl (1986; apud Forghieri, 2004, p.22) ao articular a Fenomenologia com a Psicologia apontou a intersubjetividade, uma experiência transcendente, ou seja, uma relação que vai além do que pode ser objetivado, empírico.
Basicamente, Personalidade é “o conjunto de características do existir humano” (p.26), entre aquelas que ele próprio se percebe e o seu comportamento diário. Na visão do Enfoque Fenomenológico da Personalidade de Forghieri (p.32), não só minhas ações e experiências propiciam o autoconhecimento e minha visão de mundo, mas também aquilo que estou sendo agora e o que pretendo ser fazem parte da minha personalidade.
Assim, considerando esta complexidade do ser humano, Forghieri (p.32) amplia o enfoque de nossa personalidade ao considerar nossas diferentes relações com o mundo, com outro semelhante e na relação com nós mesmos:

“A identidade de cada um de nós está implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo”


A relação com o mundo se dá pelo contato do nosso corpo (nossas sensações) com o ambiente. Eu, simplesmente percebo as coisas que têm um sentido para mim, primeiro pela abstração, ou seja, aquilo que imagino que possa acontecer, depois, efetivamente, pela ação concreta na minha relação com tais fatos, ou seja, experimentando realmente e sendo influenciado pelo contexto. Porém, não sou um “animal preso numa jaula” (p.30), eu posso transcender minhas limitações através da minha consciência sobre o que sei daquele ambiente (conhecimento), pelas experiências anteriores (memória), pelo meu autoconhecimento e autocontrole.
Paralelamente, desde meu primeiro contato com o mundo, estou em contato com meu semelhante. Minha relação com outro ser humano me dá consciência de mim mesmo e de minhas possibilidades, através da identificação das nossas diferenças e semelhanças:

“Só posso saber quem sou como ser humano convivendo com meus semelhantes” (p.31).


Nesta relação com o mundo a sua volta e seus semelhantes, a pessoa vai se atualizando e percebendo suas limitações e suas potencialidades. A cada novo confronto, nova situação, eu descubro como me comportar e como resolver as questões. Este autoconhecimento, por sua vez, será base para novas atualizações, já que, propicia a visualização das futuras situações, podendo transcender seu estado atual e limitador.
Através da consciência de si e do autocontrole o indivíduo ultrapassa o momento presente, trazendo o passado e o futuro para seu agora e assim, reconhece-se como “sujeito responsável por suas decisões e atos” (p.32). Esta consciência da responsabilidade ocorre porque ele pôde refletir sobre suas opções, seu comportamento, direcionando sua escolha.
Tal capacidade de autotranscendência “constitui a base da liberdade humana” (p.32), ou seja, não estou preso ao contexto, ao momento que é limitador, a minha visão presente da situação; eu posso ir e vir em minha memória e em minhas “verdades”, e fazer opções entre elas.
Portanto, liberdade de escolha está intrínseca a tornar-se responsável por suas essas, mas será que realmente temos liberdade de escolha?
Com base em todas as conceituações apresentadas acima, pode-se tentar entender a complexidade que gira em torno de uma decisão e todos os movimentos, circulares e paralelos, que são necessários para escolher com liberdade, com responsabilidade e com menos angústia possível.
Forghieri apresenta uma estrutura que envolve a escolha e enfatiza a importância de cada elemento, para que os resultados sejam mais satisfatórios possíveis.
Primeiro, para que haja uma liberdade de escolha é preciso que se tenha uma abertura de opções:

“Apenas onde há uma multiplicidade de fenômenos, torna-se possível a escolha e a decisão.... Tanto a abertura como a liberdade de escolha são fenômenos fundamentais que se revelam diretamente, não requerendo qualquer comprovação. Mas, como são primordiais, é possível, para um deles, ser condição de manifestação do outro.” (Boss, 1983, p.123; apud Forghieri, 2004, p.47)


Assim, se tenho abertura de possibilidades eu terei mais liberdade de escolher e por sua vez, se minha liberdade é real, eu posso ampliar minhas opções.
Como saber se minha liberdade é real? Isto implica uma visão realista de mim mesmo e do mundo que me cerca.
Escolher requer uma maior percepção do mundo e àquele autoconhecimento das minhas possibilidades de atuação no ambiente, minhas capacidades de superação e meu autocontrole sobre as adversidades que os diferentes contextos me apresentarão.
Se aprende a viver, vivendo! Refere-se a conhecer a realidade, conhecer “a verdade” (p.47), aquilo que realmente faz sentido para você. Conhecimento esse adquirido através das experiências do indivíduo, ou seja, pela sua ação no mundo e sua interação com outros indivíduos. Portanto, liberdade de escolha também está relacionada com agir no mundo, mover-se.

“A essência da verdade é a liberdade... a liberdade é a própria essência da verdade.” (Heidegger, 1979, pp.136-137; apud Forghieri, 2004, p.47)


Concluindo, para escolher é urgente conhecer-se; conhecer suas possibilidades através de uma visão realista do mundo e minha própria verdade; que está ligada diretamente a experimentar as coisas, a viver, ou seja, efetuar escolhas a cada momento que vivo; para escolher é preciso tentar, provar, testar e até arriscar; é desistir, recuar, retomar do início e escolher de novo.
Mas é um movimento dialético, não linear, pois a cada nova ação, a cada novo passo neste caminho da escolha, eu crio mais abertura de possibilidades pela vivência que guardo em mim e aumento, assim, minha liberdade e minha chance de escolher mais acertadamente.
Há mais uma dificuldade neste complexo processo: ao final de cada escolha ainda tenho que aprender a lidar com a angústia de ter deixado opções pelo caminho, pois escolher também implica abrir mão de coisas e pessoas que são importantes em nossa vida. A angústia é inerente a escolha.

“A própria necessidade de efetuar uma escolha entre várias possibilidades contém o fundamento de minha limitação como ser humano: indica que não posso escolher e concretizar, simultaneamente, todas as minhas potencialidades. Como ser humano vivo, materializado, só posso, em cada momento, estar concretamente presente num único lugar, só posso fazer uma coisa de cada vez; por isto cada escolha implica na renúncia de um número enorme de possibilidades”. (p.48)


“Antes de escolher tenho dúvidas... só depois de fazer a escolha e de concretizá-la, tenho a certeza do que assumi... e do que renunciei.” (p.49)

Por conseguinte, a liberdade se dá, efetivamente, antes da escolha, após essa, ela se restringe a decisão tomada.

“Há pessoas que levam grande parte de sua vida adiando o momento de efetuar uma escolha importante e de agir no sentido de concretizá-la, para manterem a ilusão da plenitude de sua liberdade, ou por sentirem-se incapazes de decidir pela renúncia de algo que consideram imprescindível, ou ainda, pelo receio de verificar que seus projetos não passavam de sonhos”. (p.49)


“Há também, os que, de certo modo, renunciam à sua liberdade de escolha, para evitar assumir a responsabilidade”. (p.49)

Porém, nada é definitivo!
Viver é reconstruir-se a cada dia.
Há sempre a possibilidade de recomeçar, de refazer-se; e cada vez mais autoconsciente de suas verdades.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.