quarta-feira, 16 de março de 2011

É preciso confrontar nossos defeitos

Por Nilva Marcandali

Quando há um impasse em nossa vida emocional e psíquica e não conseguimos avançar em relação aos nossos sentimentos, mesmo que nosso dia-a-dia esteja caminhando relativamente bem, "devemos voltar para o nosso lado escuro, e portanto inaceitável, que não está à disposição de nosso consciente", ou seja, olhar para aquelas nossas características que não aceitamos ter, que rejeitamos.

Nada adianta negar nossos defeitos e comportamentos inadequados, mas sim aprender a lidar com eles, descobrindo em quais momentos estes defeitos e comportamentos explodem, para que assim possamos nos precaver e controlá-los da melhor maneira possível, evitando desconforto para nós e para muitos a nossa volta.

O autoconhecimento é o melhor caminho para viver de uma maneira mais satisfatória e feliz.

Quando ignoramos nosso lado ruim, nosso comportamento torna-se impulsivo, agimos sem pensar e nem sabemos porque agimos de "tal forma", desencadeando um círculo de auto-destruição e destruição ao próximo.

Precisamos confrontar nossos defeitos e ficar "impactados", para que uma evolução ocorra, aceitando quem somos e conciliando com aquilo que gostaríamos de ser, ou permitindo que aquele que somos, nosso Self, possa SER.

Nossos defeitos são como hábitos, ou seja, comportamento que um dia nos foi útil em deteminada situação e ficou internalizado e acabamos por repetí-lo impulsivamente, mesmo quando não convêm mais. Todo hábito é passível de ser modificado, modulado.
"Hábito é hábito; não pode ser jogado fora pela janela, mas deve ser persuadido a sair, descendo as escadas um degrau de cada vez." (Mark Twain)


(Fonte: Whitmont,Edward C.: A Busca do Símbolo, 1969)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Por que é tão difícil fazer uma escolha?

Por Nilva Marcandali


Em psicoterapia, na problemática das escolhas, trabalha-se uma gama de questões e conflitos que cercam a ação da tomada de decisões. Entre elas:

•Escolher implica mudanças, que gera desequilíbrio interno e ansiedade.
•Escolher algo implica renunciar outro, o que gera culpa e angústia.
•Escolher é optar por assumir riscos e arcar com responsabilidades.
•Escolher envolve estar consciente da realidade para ser o mais acertivo possível.
•Escolher é aceitar a limitação de ser humano concreto que precisa encaixar-se socialmente.

“(...) e no entanto precisamos fazer isto, a cada instante de nossa existência.” (Forghieri, 2004:48)


Para tentar explicar este labirinto que envolve a escolha, tomo a Psicologia Fenomenológica de Yolanda Cintrão Forghieri (2004), pois, ao meu ver, sintetiza uma série de interrogações.
A Abordagem Psicológica Fenomenológica Existencial é o resultado da junção dos saberes da Filosofia Existencial e Psicologia, com olhar Fenomenológico, aquele que busca o entendimento do fenômeno descrevendo os fatos que o cercam.
Para a Filosofia Existencial uma pessoa só “existe” na relação com algo, de maneira concreta e consciente, entretanto, Husserl (1986; apud Forghieri, 2004, p.22) ao articular a Fenomenologia com a Psicologia apontou a intersubjetividade, uma experiência transcendente, ou seja, uma relação que vai além do que pode ser objetivado, empírico.
Basicamente, Personalidade é “o conjunto de características do existir humano” (p.26), entre aquelas que ele próprio se percebe e o seu comportamento diário. Na visão do Enfoque Fenomenológico da Personalidade de Forghieri (p.32), não só minhas ações e experiências propiciam o autoconhecimento e minha visão de mundo, mas também aquilo que estou sendo agora e o que pretendo ser fazem parte da minha personalidade.
Assim, considerando esta complexidade do ser humano, Forghieri (p.32) amplia o enfoque de nossa personalidade ao considerar nossas diferentes relações com o mundo, com outro semelhante e na relação com nós mesmos:

“A identidade de cada um de nós está implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo”


A relação com o mundo se dá pelo contato do nosso corpo (nossas sensações) com o ambiente. Eu, simplesmente percebo as coisas que têm um sentido para mim, primeiro pela abstração, ou seja, aquilo que imagino que possa acontecer, depois, efetivamente, pela ação concreta na minha relação com tais fatos, ou seja, experimentando realmente e sendo influenciado pelo contexto. Porém, não sou um “animal preso numa jaula” (p.30), eu posso transcender minhas limitações através da minha consciência sobre o que sei daquele ambiente (conhecimento), pelas experiências anteriores (memória), pelo meu autoconhecimento e autocontrole.
Paralelamente, desde meu primeiro contato com o mundo, estou em contato com meu semelhante. Minha relação com outro ser humano me dá consciência de mim mesmo e de minhas possibilidades, através da identificação das nossas diferenças e semelhanças:

“Só posso saber quem sou como ser humano convivendo com meus semelhantes” (p.31).


Nesta relação com o mundo a sua volta e seus semelhantes, a pessoa vai se atualizando e percebendo suas limitações e suas potencialidades. A cada novo confronto, nova situação, eu descubro como me comportar e como resolver as questões. Este autoconhecimento, por sua vez, será base para novas atualizações, já que, propicia a visualização das futuras situações, podendo transcender seu estado atual e limitador.
Através da consciência de si e do autocontrole o indivíduo ultrapassa o momento presente, trazendo o passado e o futuro para seu agora e assim, reconhece-se como “sujeito responsável por suas decisões e atos” (p.32). Esta consciência da responsabilidade ocorre porque ele pôde refletir sobre suas opções, seu comportamento, direcionando sua escolha.
Tal capacidade de autotranscendência “constitui a base da liberdade humana” (p.32), ou seja, não estou preso ao contexto, ao momento que é limitador, a minha visão presente da situação; eu posso ir e vir em minha memória e em minhas “verdades”, e fazer opções entre elas.
Portanto, liberdade de escolha está intrínseca a tornar-se responsável por suas essas, mas será que realmente temos liberdade de escolha?
Com base em todas as conceituações apresentadas acima, pode-se tentar entender a complexidade que gira em torno de uma decisão e todos os movimentos, circulares e paralelos, que são necessários para escolher com liberdade, com responsabilidade e com menos angústia possível.
Forghieri apresenta uma estrutura que envolve a escolha e enfatiza a importância de cada elemento, para que os resultados sejam mais satisfatórios possíveis.
Primeiro, para que haja uma liberdade de escolha é preciso que se tenha uma abertura de opções:

“Apenas onde há uma multiplicidade de fenômenos, torna-se possível a escolha e a decisão.... Tanto a abertura como a liberdade de escolha são fenômenos fundamentais que se revelam diretamente, não requerendo qualquer comprovação. Mas, como são primordiais, é possível, para um deles, ser condição de manifestação do outro.” (Boss, 1983, p.123; apud Forghieri, 2004, p.47)


Assim, se tenho abertura de possibilidades eu terei mais liberdade de escolher e por sua vez, se minha liberdade é real, eu posso ampliar minhas opções.
Como saber se minha liberdade é real? Isto implica uma visão realista de mim mesmo e do mundo que me cerca.
Escolher requer uma maior percepção do mundo e àquele autoconhecimento das minhas possibilidades de atuação no ambiente, minhas capacidades de superação e meu autocontrole sobre as adversidades que os diferentes contextos me apresentarão.
Se aprende a viver, vivendo! Refere-se a conhecer a realidade, conhecer “a verdade” (p.47), aquilo que realmente faz sentido para você. Conhecimento esse adquirido através das experiências do indivíduo, ou seja, pela sua ação no mundo e sua interação com outros indivíduos. Portanto, liberdade de escolha também está relacionada com agir no mundo, mover-se.

“A essência da verdade é a liberdade... a liberdade é a própria essência da verdade.” (Heidegger, 1979, pp.136-137; apud Forghieri, 2004, p.47)


Concluindo, para escolher é urgente conhecer-se; conhecer suas possibilidades através de uma visão realista do mundo e minha própria verdade; que está ligada diretamente a experimentar as coisas, a viver, ou seja, efetuar escolhas a cada momento que vivo; para escolher é preciso tentar, provar, testar e até arriscar; é desistir, recuar, retomar do início e escolher de novo.
Mas é um movimento dialético, não linear, pois a cada nova ação, a cada novo passo neste caminho da escolha, eu crio mais abertura de possibilidades pela vivência que guardo em mim e aumento, assim, minha liberdade e minha chance de escolher mais acertadamente.
Há mais uma dificuldade neste complexo processo: ao final de cada escolha ainda tenho que aprender a lidar com a angústia de ter deixado opções pelo caminho, pois escolher também implica abrir mão de coisas e pessoas que são importantes em nossa vida. A angústia é inerente a escolha.

“A própria necessidade de efetuar uma escolha entre várias possibilidades contém o fundamento de minha limitação como ser humano: indica que não posso escolher e concretizar, simultaneamente, todas as minhas potencialidades. Como ser humano vivo, materializado, só posso, em cada momento, estar concretamente presente num único lugar, só posso fazer uma coisa de cada vez; por isto cada escolha implica na renúncia de um número enorme de possibilidades”. (p.48)


“Antes de escolher tenho dúvidas... só depois de fazer a escolha e de concretizá-la, tenho a certeza do que assumi... e do que renunciei.” (p.49)

Por conseguinte, a liberdade se dá, efetivamente, antes da escolha, após essa, ela se restringe a decisão tomada.

“Há pessoas que levam grande parte de sua vida adiando o momento de efetuar uma escolha importante e de agir no sentido de concretizá-la, para manterem a ilusão da plenitude de sua liberdade, ou por sentirem-se incapazes de decidir pela renúncia de algo que consideram imprescindível, ou ainda, pelo receio de verificar que seus projetos não passavam de sonhos”. (p.49)


“Há também, os que, de certo modo, renunciam à sua liberdade de escolha, para evitar assumir a responsabilidade”. (p.49)

Porém, nada é definitivo!
Viver é reconstruir-se a cada dia.
Há sempre a possibilidade de recomeçar, de refazer-se; e cada vez mais autoconsciente de suas verdades.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Crises na Adolescência

Por Nilva Marcandali

A desesperança que o mundo de hoje passa aos jovens, com toda a violência urbana, falta de oportunidades e expectativas, em contraste com a idéia de que é necessário ser útil, possuir força e intelecto para produzir e desempenhar seu papel na estrutura social - para não ser desconsiderado por ela; cria indivíduos descrentes de seu potencial, com sentimentos de impotência e frustração.

Um importante aspecto considerado por Bauman (2001; apud Savietto, 2007, p.442), é a exigência pós-moderna capitalista, de que os indivíduos anulem o tempo passado e futuro, mantendo-se no tempo presente, que convêm ao consumismo. Este seria o tempo instantâneo, do imediato, vindo por em xeque a ilusão subjetiva de continuidade.

“Julgamos ser possível notar que as características próprias ao meio cultural da atualidade exacerbam a vivência de desamparo. Esta experiência, revivida na adolescência como parte do próprio processo de `adolescer´, parece cristalizar-se no atual contexto macro-social. Desta forma, assistimos a adolescentes aprisionados numa situação dolorosa” (Savietto, 2007, p.443).

A frustração é uma questão de ponto de vista e neste sentido, os fatores situacionais, ou seja, os grupos em que o adolescente está inserido podem reforçar a frustração ou minimizá-la. A agressividade também pode ser uma reação a frustração, e igualmente, poderá ser modelada pelo grupo. Um grupo que seja acolhedor e compreensivo, tolerando defeitos e deslizes, pode abrandar o sentimento de frustração do adolescente e evitar comportamentos agressivos.

Silva (2007, p.559-560), em seu artigo: Porque se debruçar sobre a temática da adolescência? – esboça os desafios da clínica psicanalítica, ao lidar com quadros patológicos no adolescente gerados por uma crise na sociedade contemporânea. Define-a:

“Tempo crucial de impasse na subjetividade entre o passado e o futuro, a adolescência implica não somente modificações físicas, mas, sobretudo, um trabalho psíquico a operar”.

Erikson (1976; apud Paula & Mendonça, 2009, p.131-134), também enfatiza a importância de lidar com as crises do adolescente. Considerando as fases de Freud (1856–1939) sobre o desenvolvimento da sexualidade, elaborou fases voltadas ao relacionamento do indivíduo com seu meio-social e cultural, expandindo tais fases para todas as idades da vida, focando as crises que ocorrem em cada uma delas.

Tais crises são entre o indivíduo e o meio, com as exigências características de cada idade, ou seja, uma readaptação de seu mundo interno pelas novas expectativas e problemas correspondentes, sendo que, atravessar e superar cada crise promove o desenvolvimento da identidade do sujeito, "reelaborando sua personalidade".

Não só o sujeito muda, mas ele acaba por promover mudanças em sua volta devido suas novas atitudes. Uma adaptação recíproca, e, a cada superação o sujeito adquire um sentimento positivo em relação a si mesmo.

A adolescência para Erikson (idem, p.138) é a fase mais importante e “com as maiores crises de identidade para o desenvolvimento do indivíduo”, pois, nela haverá a integração de tudo o que se viveu anteriormente e a percepção de si mesmo, que remeterá o sujeito as próximas etapas da vida.

É na adolescência que as escolhas partidárias, os posicionamentos, tornam-se vitais para criar sua auto-imagem e sua identidade. Escolher uma grupo, uma posição política, um engajamento social, uma profissão e uma religião, darão ao adolescente aspectos de si mesmo que, agrupados, formarão seu novo Eu.

Paula & Mendonça (2009, p.140), afirmam que a construção da identidade “depende de uma constante reorganização (de si mesmo e de si em relação ao meio) durante o processo de desenvolvimento”.

Há também a questão do reconhecimento: opor-se ao outro e ainda assim ser reconhecido e “fazer valer sua identidade na participação efetiva na vida comunitária” (idem).

Esta visão Psicanalítica de Erikson sobre as crises do adolescente é semelhante a visão da Psicologia Analítica de Jung.

Kast (1997, p.15-16), explicando Jung (1875-1961), relaciona a importância do engajamento a grupos com a necessidade do adolescente de desligar-se dos pais.

“O desligamento é um compromisso entre aquilo que a vida própria de uma pessoa deseja e o que deseja o meio ambiente, em última análise, o pai, a mãe, os professores, a camada social em que vivemos” (Kast, 1997, p.14).

Para ter coragem de abrir mão da segurança emocional oferecida pelos pais e seguir adiante em seu desenvolvimento maturacional, o adolescente precisa sentir-se amparado de maneira similar, amparo este que tais grupos positivos poderão lhe oferecer. Infelizmente, é também neste momento que o jovem pode buscar apoio em companhias destrutivas, que lhe oferecerão também uma sentimento de força, porém, um caminho de autopunição e autodestruição.

Para que o adolescente continue evoluindo na construção de sua identidade própria, que muitas vezes não tem relação com a identidade familiar, e continue também a construir sua auto-imagem, precisa desmistificar a imagem idealizada que criou de seus pais, pois, segundo Kast (idem, p.14), esta idealização desvaloriza a sua auto-imagem, onde prevalece a sensação de buscar sempre algo inatingível e o sentimento de ser alguém que nunca é bom o bastante.

Todo este processo pode ser muito doloroso. Nesta fase, sujeitos que até então eram crianças meigas, alegres e obedientes, tornam-se adolescentes agressivos, marrentos e rebeldes.

Para Jung (apud Kast, idem, p.14), os conflitos e desentendimentos são conseqüências deste processo, até necessários em certa dose, porém, acontecem de maneira inconsciente na luta interna em buscar um espaço e lugar para si na família e nasociedade. Blos (1987, PP.39-45; apud Kast, ibid, p.17) salienta que até o amor pode ser o causador dos conflitos, pois, quanto mais o filho ama, quanto mais unida e afetuosa a família, mais difícil desligar-se, assim, no instinto de sobrevivência a agressividade é saída ambivalente. Portanto, para minimizar os conflitos é importante que os pais incentivem o desligamento de maneira mais suave e natural possível.

Os desligamentos devem ser progressivos e/ou em etapas, pois, alguns que são feitos podem inibir os próximos. Para Jung (apud Kast, idem) o desligamento deve ocorrer gradualmente, desde alguns aspectos de independência na infância até o amadurecimento na adolescência, oferecerendo momentos de autonomia, abrindo possibilidades de escolha e cobrando responsabilidades.

Normalmente os pais não conseguem desligar-se dos filhos na idade adequada e proporcionar a eles autonomia e segurança o suficiente para que realizem suas próprias escolhas. Mais complicado fica, conforme Savietto (2007), quando os pais deparam-se com seus próprios conflitos adolescentes que não foram superados. Nesta situação, não conseguem estimular a independência do filho, pois, temem que lhes aconteçam os mesmos danos e traumas que viveram.

Os desligamentos objetivam um “eu suficientemente forte” (Kast,1997, p.10), que permita ao indivíduo “perceber as exigências da vida, lidar com dificuldades e conseguir um certo grau de prazer e satisfação” (Idem), para que os jovens possam se tornar “pessoas mais independentes e capazes de estabelecer vínculos” (Ibid, p.11).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 KAST, Verena. Pais e filhas – Mães e filhos: caminhos para a auto-identidade a partir dos complexos materno e paterno. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
 PAULA, Ercília M.T. de & MENDONÇA, Fernando Wolff. Psicologia e Educação. Livro Virtual do Curso de Letras da Universidade Cidade de São Paulo. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.
 SILVA, Rosane de Abreu. Porque se debruçar sobre a temática da adolescência? in Revista Latino Americana de Psicopatologia fundamental. Órgão oficial da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, vol.X, n.3, Setembro/2007. p.395-576.
 SAVIETTO, Bianca Bergamo de Andrade. Passagem ao ato e adolescência contemporânea: pais “desmapeados”, filhos “desamparados” in Revista Latino americana de Psicopatologia fundamental. Órgão oficial da Assoc. Univ. de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Vol.X. n.3. Setembro/2007. p.395-576;

sábado, 21 de agosto de 2010

Co-dependência

Por Nilva Marcandali

Considerada uma patologia de preocupação mundial, a dependência química não atinge somente o usuário, mas também aos seus próximos, tornando-os co-dependentes.

Robert Subby (1984; apud Beattie, 2008:45) descreve co-dependência como:
“Uma condição emocional, psicológica e comportamental, que se desenvolve como resultado da exposição prolongada de um indivíduo a – e a prática de – um conjunto de regras opressivas que evitam a manifestação aberta de sentimentos e a discussão direta de problemas pessoais e interpessoais”.

Somente nos últimos 30 anos a co-dependência começou a ser tratada mundialmente pela área da Saúde Mental. O maior problema para este enfrentamento é o indivíduo admitir-se doente, aceitar-se como co-dependente, mesmo quando os sintomas são apresentados para ele. Grande parte dos familiares acreditam ser somente o dependente químico o necessitado de tratamento, portanto, para estes, basta que o dependente abandone seu vício para que os problemas se resolvam.

O co-dependente deve receber tanta ajuda psicoterapeuta, ou ainda mais, que o próprio dependente, pois, quer em períodos de uso, recuperação ou recaídas, o indivíduo dependente retornará ao contato e ao seu relacionamento com o co-dependente, e se, este não estiver em trabalho de práxis terapêutico, as condições favoráveis ao uso de substâncias químicas estarão presentes.

Portanto, a preocupação aqui não está só relacionada ao relacionamento presente do dependente com o co-dependente, mas ao passado do relacionamento que antecede a dependência química: ao meio social que precedeu e foi gerador da dependência química.

Além disto, agravam-se os fatores disfuncionais desta família com o aparecimento da dependência, e, mesmo quando este dependente já está em processo de recuperação, se não for trabalhado terapeuticamente todo o conjunto familiar, a disfunção geradora dos conflitos ainda permanece latente.

Normalmente é o familiar mais ligado afetivamente ao dependente que participa do grupo de apoio. Mães e esposas são a maioria nos grupos e normalmente são elas que formam o pilar sustentador do lar e lidam com os pontos de desequilíbrio, tentando ajustá-los. Mesmo que não estejam preparadas pra isto, em se tratando dos problemas com a dependência química, é a elas que normalmente atribuí-se esta função.

Como estar preparada para ajudar o familiar dependente químico em sua recuperação? Ajudando-se a si mesma em sua própria saúde emocional. E como fazer isto?
Buscar ajuda psicológica seria imprescindível, porém, nem todos possuem recursos financeiros para pagar uma psicoterapia, sendo assim, um grupo de auto-ajuda para co-dependentes seria a melhor opção, pois, além de serem gratuitos, há trocas de experiências com pessoas envolvidas pelo mesmo problema, que ouvirão de forma empática e retribuirão com suas experiências de erros e acertos.

A identificação com os participantes, bem como, sentir-se compreendido verdadeiramente por alguém que sofre as mesmas dores e problemas, é um grande alívio para os participantes destes grupos. É o início do tratamento em si.

Os grupos de auto-ajuda são alternativas eficientes de tratamento dos co-dependentes com resultados muito satisfatórios a curto prazo, entretanto, a participação continuada em um grupo de auto-ajuda, mesmo quando o dependente químico já encontra-se em abstinência, faz parte do processo de manutenção da recuperação, que traz resultados satisfatórios a longo prazo para os envolvidos: o dependente e os familiares co-dependentes.

Há características específicas, sintomas, na relação entre dependente-co-dependente e no próprio comportamento do co-dependente. Toda doença é caracterizada por sintomas e são estes que a identificam. No caso da co-dependência, há disfunções comportamentais e emocionais.

“A co-dependência pode manifestar-se no indivíduo como transtorno de personalidade ou como patologia da relação de um sistema” (Zampieri, 2004:134). Não reconhecida como doença pela DSW-IV (1995) ou CID-10 (1993), a co-dependência pode ser admitida como “construção social” (Ibid:65).

A relação de abuso emocional tanto por parte do dependente quanto do seu familiar, impede a verdadeira recuperação do dependente. Há um zelo excessivo por parte do familiar (co-dependente) que impede que o dependente adquira autonomia e auto-estima, tão necessárias para sua efetiva recuperação. Entretanto, o próprio familiar acaba por depender desta relação de zelo-comando, já que, é por trás dela que esconde suas próprias necessidades pessoais, como que, numa defesa de ter que admitir suas próprias fraquezas perante a vida e seu sentimento de impotência.

Mas porque isso ocorre nas famílias?
As pessoas são resistentes a mudanças e adaptações. Fica ainda muito mais complicado quando se convive em um grupo, como o familiar, onde é necessário incentivar as individuações de seus membros e ao mesmo tempo fazer funcionar uma dinâmica de unidade.

Com a freqüência em grupos de apoio, espera-se que, ao tomar conhecimento da existência e incidência destes sintomas, o familiar possa identificar-se de certa maneira com sua co-dependência e motivar-se a procurar ajuda para sua saúde emocional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 BEATTIE, Melody. Co-dependência Nunca Mais - pare de controlar os outros e cuide de si mesmo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2008. 287 p.
 FRANCO, Maria A. Santoro. Pedagogia da Pesquisa-Ação in Educação e Pesquisa, vol.31, n.3, p.483-502, São Paulo: Universidade Católica de Santos, set./dez. 2005.
http://www.unicentro.br/extensao/pde/cursos/abordagens/curso_pde_pesquisa_a%C3%A7%C3%A3o.pdf. Consultado em 15/04/2009.
 LEITE, Marcos Costa. Aspectos básicos do tratamento da síndrome de dependência de substâncias psicoativas. 2ª. Ed. Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, secretaria Nacional Antidrogas, 2001.
 ZAMPIERI, Maria A.J. Codependência – o transtorno e a intervenção em rede. São Paulo: Agora, 2004. 283p.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Efeito Catártico da Arte

Por Nilva Marcandali

No texto anterior, falou-se sobre a catarse que poderá ser provocada pela leitura de um texto literário ou no contato com qualquer forma de arte. Catarse ou ab-reação, pela visão da psicologia analítica, define-se:

“Reedição emocional de uma vivência traumatizante que, por meio da confissão, despotencializa o afeto relativo à experiência traumática. Sua ação mais fundamental não é a simples liberação da carga afetiva ligada ao trauma, mas, sim, possibilitar á integração dessa carga energética ao ego, permitindo-lhe exercer controle sobre o afeto.” (Grinberg, 2003:222-223)

Portanto, vivenciamos uma catarse quando a experiência emocional externa encontra seu reflexo em nosso mundo interior. Esta experiência emocional ocorre muito mais do que pensamos ou percebemos e ao contato com diferentes formas de arte ou situações cotidianas. Não só a literatura, mas ao ouvir uma música, ver um filme, apreciar uma pintura, assistir uma novela e até mesmo quando assistimos o noticiário jornalístico.
As novelas, tão populares, conseguem abranger um leque de emoções muito variado e que encontra reflexos emocionais em diferentes telespectadores. A jovem apaixonada e não correspondida, a mãe que sofre com os problemas do filho, o trabalhador que foi demitido; estão entre as questões que perturbam o ser humano, e que, sem enfrentamento ou resolução, pelo sofrimento que provocam, ficam escondidas em nosso inconsciente, provocando outros tipos de sofrimento, mascaradas de outras maneiras e com outros nomes.
Portanto, a catarse acaba por expurgar o problema que está oculto, a emoção que estava sendo reprimida, às vezes em pequenas doses, outras vezes de forma definitiva, e assim, entramos em contato com o que temíamos.
Por exemplo, quando alguém perde um ente querido e evita pensar sobre qualquer coisa que remeta à lembrança do fato, protegendo-se contra a dor do luto. Então, ao assistir um filme ou ler sobre uma situação de morte e lamentação por perda, a pessoa vivencia seu próprio luto e alivia um pouco sua dor, ao mesmo tempo, ensaia a sua realidade ao colocar-se no lugar do personagem fictício.
Faz-se também instrumento de autoconhecimento e evolução emocional, quando identifica-se uma dor e aprende-se a lidar com ela.
Abaixo, um trecho literário, que figura de maneira tão poética tal catarse:

“Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. `Fabricou Salomão um palácio...´.E fui lendo, até o fim, trêmulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa língua majestosa, aquele exprimir das idéias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquele grande sinfônica.
... Minha pátria é a língua portuguesa.”
(Fernando Pessoa - Livro do Desassossego; Transcrição de: Klein, 2009:05)


Referências Bibliográficas:
GRINBERG, Luiz Paulo. Jung, o homem criativo. 2ª ed., São Paulo: FTD, 2003.
KLEIN, Ligia Regina. Fundamentos do texto em Língua Portuguesa. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009. (Livro Virtual do Curso de Letras da UNICID)

domingo, 11 de julho de 2010

A Literatura como agente terapêutico

Por Nilva Marcandali

VYGOTSKY
Formado inicialmente em Literatura, Vygotsky começou sua carreira profissional com apenas 21 anos, já possuindo notoriedade, como crítico literário e palestrante. Um indivíduo extremamente epistemológico, estudou várias outras áreas, entre elas: Medicina, Psicologia, Pedagogia e Filosofia. Cientista inovador, defendeu “a relevância do entendimento subjetivo da mensagem, pelo receptor,” na leitura de um texto literário. Atribuiu à arte um “papel catártico na vida das pessoas no mundo cotidiano. A arte poderia proporcionar `um gatilho´ para a síntese da visão de mundo revisada de uma pessoa, quando a pessoa experimenta a catarse com seu encontro com a arte” (Vygotsky, 1925/1986:328; apud Paula & Mendonça, 2009:32).
“Seu trabalho com arte capacitou-o a tratar de problemas psicológicos complexos” (Paula & Mendonça, 2009:33). Como resultado desta fusão de saberes, Vygotsky transformou seu estudo sobre Hamlet, de Shakespeare, realizado na época em que era estudante de Literatura, em sua obra Psicologia da Arte, “na qual discute a influência da literatura no indivíduo” (idem:27).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PAULA, Ercília M.T. de & MENDONÇA, Fernando Wolff. Psicologia e Educação. Livro Virtual do Curso de Letras da Universidade Cidade de São Paulo. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009. 212p.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A contribuição da religiosidade na construção da subjetividade do adolescente

Por Nilva Marcandali

RESUMO
A prática de uma religião inspira o comportamento daqueles que estão comprometidos com ela. O adolescente em seu processo de desenvolvimento procura identificações para formar sua identidade, normalmente em grupos de amigos afins. Esta pesquisa tem como objetivo saber se a cultura da religião pode favorecer de maneira saudável este adolescente, ao participar de cultos religiosos ou grupos inseridos na igreja. Assim, transformando-o em um adulto ético, comprometido com a sociedade e consigo mesmo. Para isto, buscou-se embasamento em bibliografia da psicologia do adolescente, bem como, pesquisa de campo com adolescentes inseridos no meio religioso. Foram realizadas cerca de 50 entrevistas. A maioria dos entrevistados afirmou sobre o bem-estar e sobre as transformações positivas que ocorreram em si próprios e no meio que vivem. Os grupos religiosos mostraram-se positivos como instrutores e apoiadores neste processo de auto-valorização, solidariedade e fraternidade.
Palavras-chave: religião, adolescente, grupos, identidade, fraternidade.

INTRODUÇÃO
A prática religiosa é um exercitar de valores, ética e solidariedade ao próximo, bem como, a busca do autoconhecimento e valorização de si mesmo. Conceitos são embutidos e crescem paralelamente aos processos cognitivos, formando o indivíduo em sua subjetividade.
As sociedades, freqüentemente, desenvolvem normas de comportamento com a finalidade de se precaver contra o inesperado, o imprevisível, o desconhecido e de se estabelecer certo controle sobre as relações entre o homem e o mundo que o cerca (MARCONI E PRESOTTO, 1992:163-164 apud Oliveira, 2008).
Novos traços da organização familiar deste novo milênio e toda complexidade para inserção social do adolescente traz problemáticas de conflito interno, “uma vez que, é entre os adolescentes inseridos neste contexto que a problemática das atuações dramáticas vem ganhando largo espaço (...) onde vigoram a violência, a insegurança e o atravessamento de uma dimensão traumática sempre presente na ocasião da adolescência”. (SAVIETTO, 2007: 439-440)
O adolescente, na busca de sua identidade começa a confrontar suas crenças, tentando adaptá-las ao que acredita ser bom para ele. Podemos então entender, que há uma reconstrução de si sob um ponto de vista temporal e pessoal. Novos interesses, um novo olhar e mesmo novos grupos sociais, ou seja, um novo meio integrando esta subjetividade e transformando-a.

Objetivos
 Verificar, de que maneira, os princípios religiosos contribuem para que o adolescente construa valores para uma vida pessoal e social satisfatória.
 Verificar como o adolescente poderia desenvolver sua subjetividade em bases sólidas, através do conhecimento e prática dos princípios religiosos, respeitando a si próprio e ao próximo.
 Levantar dados sobre o quanto a religiosidade beneficia o desenvolvimento do adolescente, para tranformar-se em um adulto saudável, física e emocionalmente.

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em meio ao processo de “adolescer” (SAVIETTO, 2007), o adolescente questiona-se sobre sua identidade e sozinho não possui condições de construir sua subjetividade. Necessita de direcionamento mínimo para fazer suas próprias escolhas.
A maioria dos adolescentes está em constante desacordo com os valores familiares, porém, nem mesmo sabe quais são os valores que pretende seguir. Entretanto, o desacordo faz parte do processo conflitante da evolução e busca da sua subjetividade. Portanto, neste conflito com sua família, o adolescente vai em busca de algum grupo de amigos que o compreendam e o aceitem.
Neste novo grupo ele vai encontrar, através da identificação, seus novos direcionamentos. Até mesmo a estereotipia, ou seja, o padronismo que acontece em grupos de jovens, como vestir-se, falar gírias próprias, escutar as mesmas músicas e ir aos mesmos lugares - são maneiras do jovem firmar-se e encontrar segurança para a busca de sua subjetividade.
Neste sentido, a preocupação dos pais em estimulá-lo a freqüentar locais que propiciem o encontro com grupos positivos, por exemplo, grupos envolvidos com arte, esporte, estudo ou religioso, é importantíssima, pois assegura que o adolescente depare-se com valores e códigos de conduta que serão benéficos para seu desenvolvimento e para sua vida adulta.
Comportamentos são modificáveis. Quando confrontados com interações sociais novas podem sofrer transformações radicais, promovendo ajustamentos e alterações na subjetividade.
Com base no que foi pesquisado, a religião é um dos meios pelo qual o homem busca, em todos os tempos, às vezes com mais ou menos intensidade, encontrar respostas para as questões básicas da razão da sua existência.
Portanto, a religião é uma das alternativas neste encontro consigo mesmo.
Ao freqüentar um grupo de alguma comunidade religiosa, grupo este que costuma ser voltado à busca de valores morais e sociais, pode beneficiar o adolescente a construir sua subjetividade com princípios positivos e benéficos a si mesmo e àqueles a sua volta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. 2ª edição. São Paulo: Paulus, 1989. 526p.
 FIGUEIRA, S.A. O “moderno” e o “arcaico” na nova família brasileira: notas sobre a dimensão invisível da mudança social in FIGUEIRA, S.A. (Org.) Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1987.
 MARCONI & PRESOTTO (1992:163-164) apud Maria Marta A. de Oliveira. Religião e Magia in Apostila de Antropologia. São Bernardo do Campo: UNIBAN, mar. 2008.
 MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma Introdução. São Paulo: Atlas, 2005.
 MOUSSEN, Paul. Desenvolvimento psicológico da criança. Traduzido do original: The psychological development of the child. Nona edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
 SAVIETTO, Bianca Bergamo de Andrade. Passagem ao ato e adolescência contemporânea: pais “desmapeados”, filhos “desamparados” in Revista Latino americana de Psicopatologia fundamental. Órgão oficial da Assoc. Univ. de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Vol.X. n.3. Setembro/2007. p.395-576.
 TURNER, Jonathan H. Sociologia - Conceitos e Aplicações. São Paulo: Makron Books, 2000. 253p.

São Bernardo do Campo, 2008.